sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Artigo sobre educação e islã

Esse é um artigo que fiz no congresso de história na cidade de Jataí Goiás. Fala sobre a necessidade do papel da escola sobre problemas culturais. Abordando a visão ocidental sobre o oriente e o papel da mulher mulçumana.




RENOVAÇÃO CURRICULAR: A QUESTÃO DO OUTRO
O outro é uma questão de interpretação. Ele é diferente, exótico e até certo ponto tolerável. Multiculturalismo é o termo da moda, acompanhado de questões tão nobres quanto vagas que são respeito e tolerância pela diversidade e diferença. Porém essa tendência, mesmo que aparentemente honesta, coloca esse outro (“diferente”) como se estivesse naturalmente ali, pronto para ser tolerado. Tadeu da Silva levanta a questão se essa pedagogia da tolerância e respeito pelo diferente é suficiente para servir de base para uma pedagogia crítica e questionadora. É importante que esse aluno saiba ver esse outro não como algo natural, em sua essência, mas como uma produção social, com relações de poder. O outro, diferente, não é uma essência pacífica da cultura, é uma construção. O outro cultural é sempre um problema, pois coloca permanentemente em xeque nossa própria identidade.” (2000, p.97).
Ao se tornar um problema social, o outro também é um problema pedagógico e curricular. Inevitavelmente esse outro é encontrado, e excluí-lo e reprimi-lo do currículo não é saudável, uma vez que esse outro reprimido tende a voltar “explodindo em conflitos, confrontos, hostilidades e até mesmo violência.”( 2000, p.97). O currículo deve tratar a abordagem do outro como questão política. Como questões desse outro, diferente, são produzidas?
O currículo é histórico, e se interliga entre escola, conhecimento e sociedade. “O campo curricular pode ser entendido como um lugar de representação cultural, de avanços e retrocessos, de luta pelo poder, de multiculturas, de exclusão e de escolhas.” (Silva e Fonseca, 2007. p. 49). Há no currículo relações de poder. Em uma sociedade com forte influência neoliberal, o currículo tende a se preocupar em formar cidadãos competentes para o trabalho, mas por outro lado há grupos de minoria identitária, que exigem revisões curriculares. O currículo não é necessariamente uma forma de guiar o professor, pode ser criticado pelos sujeitos do processo educativo (aluno-professor).
O mundo pós-guerra fria é o mundo das mudanças de paradigmas. Tradições milenares são esquecidas e outras “teimam” em continuar. A mídia nos apresenta “freqüentemente uma desconhecida coberta dos pés a cabeça” (da Silva, 2008) povoando e incomodando o imaginário ocidental. Junto com ela notícias de homens bombas, guerras religiosas, levando o mundo cristão ocidental a ter uma visão conturbada e estereotipada desse mundo islâmico oriental. Espínola ressalta que a IV Conferencia Mundial sobre a mulher em Pequim (2005) tinha como tema central a violência contra a mulher. As imprensas brasileiras e francesas deram grande destaque ao mundo islâmico e a África, ignorando as violências sofridas no ocidente.
A história do Brasil está cada vez mais se deslocando da visão do homem europeu branco e cristão, estudando sobre os excluídos e também os diferentes. A cultura mulçumana é passada de forma estereotipada e às vezes discriminatória pela mídia, principalmente quando se trata de gênero. O educador deve retirar do educando a visão conturbada e generalizada da mulher exótica, passiva e transmissora de valores. Falar de multiculturalismo também nos leva a pensar em identidade, enquanto a sociedade ocidental vive a confusão do eu, o rompimento com o tradicional, algumas mulheres islâmicas vem em seus véus não submissão e sim identidade. A Palestina em sua luta nacionalista (ou terrorista) tem em seu meio, mulheres fiéis a religião e ao sentimento nacional, o véu é além de vestimenta a renda de muitas mulheres. Concordamos com Silva e Fonseca (2007) quando afirmam que as relações de gênero, classe e etnia são relações de poder, dessa forma o ocidente acaba por analisar a cultura islâmica com julgamento, comparações e generalização, o outro (mulçumano) é interpretado embasado nos conceitos ocidentais de “direitos humanos”. Nesse contexto a sociedade ocidental concebe a sociedade mulçumana como estranha: “Todas as sociedades produzem estranhos. Mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos e os produz de sua própria maneira, inimitável.” (Bauman,pag27). É freqüente a utilização de termos “nós” (ocidentais), “eles” (mulçumanos). Eu, outro. Crises de identidade, e necessidade de se auto afirmar são constantes no mundo atual. Uma tradição está sendo reescrita, em especial a tradição árabe-islâmica, que vê nos ideais modernistas e imperialistas o risco de sua própria identidade, chegando ao ponto de retroceder a condição feminista. A revolução islâmica no Irã, e a vitória dos mujahedeenn sobre a modernização comunista afegã deram mais força ao patriarcalismo islâmico, surgindo o termo neopatriarcal, que faz referencia á modernidade fracassada da família contemporânea árabe. Por outro lado nota-se avanços em relação á situação da mulher, mesmo que tímidos.
Falar sobre a mulher no islã implica vários outros temas como fundamentalismo islâmico. Porém o fundamentalismo não é totalmente vitorioso, discursos feministas penetraram no meio islâmico formando ONGs com apoios de homens e mulheres e ajudando a formar um “feminismo islâmico”. Está havendo uma tardia expansão da escolarização das meninas no oeste afegão. Além de países como o Marrocos cuja geografia e economia se ligam com a Europa está cada vez mais avançando em relação á mulher, porém com passos tímidos. Não apenas influências internacionais, mas também internas como a Salafya que é um movimento de reforma muçulmana nacionalista que teve início no século XIX, cujo grande avanço foi a campanha em favor da educação feminina (a taxa de analfabetismo das mulheres marroquinas é vergonhosa). Porém esse movimento ainda guarda certos limites, como por exemplo, dar status e respeito à mulher apenas dentro da instituição família. Mas se existem movimentos internos a favor da emancipação feminina torna-se equivocada a idéia de passividade. Ayann critica a atitude de intelectuais ocidentais, denunciando estes de descaso pela situação de mulheres islâmicas em nome de boa relação multicultural, ainda afirma que islã é mais que religião, é uma sociedade e ao contrário do mundo ocidental não passou pelo iluminismo, vivendo ainda paradoxos do século XVIII, não sabendo distinguir razão e religião. É bem severa em relação ao islã, principalmente ao livro sagrado, culpando-o pelas atrocidades cometidas contra as mulheres. Em seu curta Subimission, que fez com o cineasta Theo Van Goh, que fora assassinado por um fanático islâmico por causa do curta, é retratada a violência física-doméstica e a violência psicológica. Hajjami por outro lado responsabiliza a questão de inferioridade de gênero não nas escrituras, e sim nas culturas que aderiram ao islã com forte patriarcalismo, no qual interpretam o Corão para justificar sua cultura. A história marroquina, por exemplo, é descrita através dos homens, dando mais destaque a estes. Apesar de haver heterogeneidade entre as mulheres marroquinas, todas vivem sobre a cultura patriarcal islâmica- de acordo com Sadiq é importante saber diferenciar islã-fé de islã-cultura, o primeiro é a relação do indivíduo com Deus, e o segundo é a identidade do indivíduo, ou seja, mesmo que esse não seja mulçumano, ele se identifica com a cultura de seu país. A emancipação feminina seria uma ofensa ao status masculino. As mulheres são consideradas então, emotivas, más, fracas, trabalhadoras, obedientes e passivas.
Said, aborda a questão sobre como a arrogância e presunção do Ocidente, além do medo e ódio pelo mundo islâmico demonstra esse choque de civilização. Atraso, falta de democracia e supressão dos direitos das mulheres, são motivos para atacar as sociedades árabes e mulçumanas, esquecendo-se que conceitos como modernidade, democracia e iluminismo não são fáceis de apreender. Há uma idéia na qual apenas os Estados Unidos poderia “salvar” o mundo mulçumano da opressão e ignorância, como se o povo árabe-mulçumano não tivesse condições intelectuais de se definir, como se necessitassem da visão européia e estadudinense para que eles existam. O leste é reescrito pela historiografia ocidental para poder ser possuído. O mundo ocidental após as conquistas femininas, com as instituições família e igreja em decadência vê com estranheza uma cultura tradicionalista e patriarcal como a islâmica. Com estados teocráticos, versus estados seculares ocidentais.
Como o professor pode levar para seus alunos o ensino sobre a cultura islâmica em especial sobre a mulher islâmica? O islamismo possui mais de um bilhão e meio de adeptos pelo mundo todo, são 57 nações integrantes da Organização da Conferência Islâmica. São várias tradições interpretando de forma distinta o Corão. É uma cultura complexa, e para o professor abordá-la ele deve conhecê-la, ou seja, pesquisar. Zierer (2008) fala sobre a pesquisa como um caminho para a renovação do trabalho do professor historiador. Ultrapassar a dicotomia professor/pesquisador é necessário para que não se torne um mero transmissor do livro didático, que pode estar equivocado.
Fontes para mostrar para o aluno a situação da mulher islâmica, ou melhor, as faces das mulheres islâmicas não são poucas: o curta Submission: a mulher no islã, o livro de Kaled Hosseni “A Cidade do Sol” e o site da Rawa (Associação das Revolucionárias Feministas do Afeganistão). Mostrando violências sofridas pelas mulheres na cultura islâmica. O primeiro denuncia a própria religião, relacionando religião com violência contra mulher. Os outros dois denunciam o fundamentalismo e não a religião em si.
A edição 30 da revista eletrônica e feminista Pagu traz artigos, no qual defendem que o patriarcalismo é uma relação mais cultural do que religiosa. À medida que o islã se propagara, fora incorporando costumes de outros povos, como a mutilação genital, aceita por grande parte dos mulçumanos, mas sem ser citada no Corão. Esta prática tem por intenção a pureza da mulher, e a honra da família, pois desta forma o adultério seria evitado. Em 2008 o Egito tornou crime à mutilação de órgãos genitais.
Utilizando as fontes citadas acima (Subimission, a mulher no islã; A cidade do Sol; site da Rawa e revista Pagu) o professor estará levando para seus alunos uma pesquisa rica e complexa, podendo até mesmo levar o método dialético , ou seja, o confronto das teses opostas, para os alunos poderem construir suas idéias em relação ao outro (mulçumano). É interessante induzir o aluno a levantar problemas e a questionar. A contribuição do aluno pode ser interessante e não apenas as pesquisas do professor. Desse modo não iria apenas expor sobre a cultura islâmica e a condição de suas mulheres. “A sala de aula não é apenas um espaço onde se transmite informações, mas onde umas relações de interlocutores constroem sentidos.” (Schmidt, 2004). Aceitando o que os alunos têm a falar sobre essa cultura distante, o que eles sabem, sobre o que eles pensam. E a partir daí, construir conceitos e derrubar preconceitos.
Vivemos em uma cultura ligada á mídia, desse modo deve-se articular ensino e tecnologia. A televisão brasileira por vezes traz informações ligando o islã em seus aspectos negativos e espetaculares. Fechando essa religião e sua relação com as mulheres como arcaica e atrasada, esquecendo-se que o islã junto com o Corão trouxe para a mulher vantagens até então não concedidas pela Bíblia cristã e que durante o período das cruzadas a civilização islâmica é mais sofisticada intelectualmente e materialmente. Os alunos estão norteados por informações, e como relata Aïcha El Hajjami as questões sobre o islã são repassadas pela mídia com reducionismos e confusões conceituais. O professor não pode se deixar levar pela “cultura da imagem”, sabendo articular com o aluno, mantendo-se sempre informado sobre as notícias do mundo.
O aluno será em geral, um adolescente com um forte desenvolvimento da inteligência, porém esse desenvolvimento é:
“acompanhado por profundas mudanças sócio-emocionais. É hora de incertezas, de indagações sobre o sentido da vida, das mudanças hormonais que repercutem não só no corpo. Crises de identidade, comportamentos de revolta são comuns e, de certa forma, previsíveis. É também a hora dos grandes idealismos, da vontade de mudar e questionar tudo.” (Paredes; Tanus; 2000)

O desenvolvimento da inteligência é significativo, porém não vem só. Confusões emocionais, crises de identidade confunde o jovem, além da televisão e internet trazerem notícias do mundo com facilidade para esse aluno. A falta de flexibilidade no discurso do professor pode acarretar perigos. O mundo multicultural necessita formar cidadãos ativos e sem, ou pelo menos o mínimo de preconceito possível. Quando se aborda sobre mulher mulçumana, o aluno é levado a praticar o exercício da tolerância religiosa, cultural e étnica, além de refletir melhor sobre as questões de gênero da sua própria cultura.


Referências bibliográficas:
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PAREDES, Eugênio Coelho. TANUS, Maria Ignez Joffe . Psicologia: fundamentos da teoria piagetiana.2000. Editora UFMT.
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SILVA, Marcos. FONSECA, Selva Guimarães. Ensinar história no século XXI: Em busca do tempo entendido. 2007.Editora Papirus.

FERRO, Marc. O século XX explicado aos meus filhos./ Tradução de Hortência Santos Lencastre. – Rio de Janeiro: Agir, 2008
ZIERER, Adriana Maria de Souza. Relações entre história, ensino e pesquisa.Ciências Humanas em Revista. Universidade Federal do Maranhão. Volume 5-número especial. 2007.

BAUMAN, Zygmunt. O mal estar da pós-modernidade. In:_______A criação e anulação dos estranhos. Tradução por Mauro Gama, Cláudia Martinelli. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 1988

LIBÂNEO, J. C; OLIVEIRA, J. F; TOSCHI, M. S.Educação escolar: políticas, estrutura e organização. Cortez Editora. 2003

THERBORN, Göran. Sexo e Poder: a família no mundo; 1900-2000. Tradução Elizabete Dória Bilac. Ed. Contexto. 2006

SZKLARZ, Eduardo. Sob o véu. Aventuras na história. Vol. 84, pg 28/35. Julho b2010

SAID, Edward W. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente / Edward W Said, tradução: Rosaura Eichenberg – São Paulo: Companhia das Letras, 2007


CADERNOS PAGU. Campinas. Núcleo de Estudos de Gênero - Pagu/Unicamp. 2008-. Semestral. ISSN 0104-8333

HALL , STUART / WOODWARD , KATHRYN / SILVA , TOMAZ TADEU DA. Identidade e Diferença: a Perspectiva dos Estudos Culturais. In:______ A Produção Social da Idantidade e da Diferença.

2 comentários:

Luzia André disse...

Gostei do seu blog pois trata exatamente de sermos alteritarios em tempos modernos.
Trabalho com inclusao de minorias tabm e estarei sempre aqui trocando ideias e cnhecimneto cultural

Aminah disse...

Olá Diana, muito sobre o vemos do Islamismo, muito do que a mídia nos traz são equívocos. O Islam como qualquer outra religião prega a Paz, o Amor, A tolerância e o Respeito. Sugeria a vc algumas obras voltadas para o Islam em si escrito por muçulmanos, como parte de nossa orientação na vida muçulmana. Sei que a grande questão é a submissão da mulher no Islam. Gostaria de deixar aqui uma dica de leitura a fim de rechaçar de vez estão visão equivocada. " A mulher no Islam" de Sherif Abdel Azim, trata-se de uma obra curta mas que não deixa nada a desejar no quesito profundidade. Esse livro é muito bom, recomendo a todos. Principalmente os não muçulmanos que tem ainda aquela visão distorcida que o Islam oprime as mulheres.
Diana, obrigada pela atenção, mas uma vez me desculpe se em algum momento fui inconviniente
Você já vai estar na ninha lista de blogs.
Convido para visitar meu blog também.
Deus te abençoe,
Sahira